“Fiscais em Guarulhos acham operários em condições degradantes
Uma fiscalização em ação conjunta do Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Tribunal Regional do Trabalho (TRT) encontrou 111 trabalhadores em condições degradantes, análogas à escravidão, em uma alojamento da construtora OAS em Guarulhos.
Segundo os órgãos, eles eram parte de um contingente de reserva para as obras da construtora do novo terminal do aeroporto de Guarulhos, administrado pela GRU Airport, e teriam sido aliciados na Bahia, em Pernambuco, no Piauí e no Maranhão para vir a São Paulo com promessa de emprego de R$ 1.400.
Os aliciadores, segundo a fiscalização, seriam representantes da própria OAS. O número de pessoas envolvidas na rede é investigado.
Para garantir a vaga, os trabalhadores teriam de pagar R$ 300 pelo transporte e de R$ 100 a R$ 300 de propina ao aliciador. Ao chegar em São Paulo, no entanto, ficaram cerca de um mês aguardando a contratação, em vão.”
A reportagem toca em um dos principais princípios do direito do trabalho, a chamada primazia da realidade. Em direito do trabalho, a situação real vale mais do que qualquer documento para determinar se uma relação é de trabalho ou não.
Segundo a reportagem, os trabalhadores sequer eram empregados. Eles faziam parte um chamado contingente de reserva e aguardavam em um alojamento da empreiteira a chance de ter o emprego. Assim, não trabalhavam. Então, por que a construtora e a administradora do aeroporto foram punidas pela fiscalização trabalhista por pessoas que não trabalhavam para elas?
A CLT, em seu art. 4º, determina que “considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens”.
Segundo a reportagem, os trabalhadores ficavam no alojamento aguardando ordens do aliciador para começar a trabalhar nas obras do aeroporto. Como o alojamento pertencia à construtora, os trabalhadores eram levados a crer de que a contratação seria iminente, bastando aguardar a vaga surgir. Além disso, acreditavam que o aliciador era um funcionário da empreiteira e falavam em nome da empreiteira, uma vez que eles haviam sido levados para lá pelo próprio aliciador.
Isso caracteriza a relação de emprego porque a prestação de serviço (aguardar ordens, ainda que não fazendo nada), se dava de maneira pessoal, mediante subordinação (ainda que indireta) e de forma contínua (até abrir a vaga). No caso, só faltou a remuneração, que é um segundo nível de problemas, já que não foi recebida até a fiscalização ocorrer. E para haver vínculo de emprego bastam que fiquem comprovadas as existências desses elementos, ou seja, não importa o que foi escrito entre as partes: vale aquilo que é feito na realidade.
E por que isso? Porque em relações de emprego, o empregado está geralmente em situação tão inferior ao do empregador que este pode colocar no papel uma situação que não é verdadeira. Por isso o magistrado pode desprezar o que está no papel se concluir que ele não corresponde à realidade.